Vez por outra, escuto algumas pessoas chateadas com o dia-a-dia de trabalho e com a falta de tempo para estudar ou fazer alguma atividade laboral que lhe permita se desenvolver intelectualmente. Sobretudo para quem está inserido nas atividades das áreas meio da Administração Pública, fugir a rotina de dar entrada em processos, bater carimbos, ou fazer breves despachos, parece ser um desejo acalentado pela maioria dos servidores públicos.
Mas será que haveria algum tipo de atividade que nos possibilitasse estudar de forma contínua determinada área do conhecimento para subsidiar os agentes políticos nas tomadas de decisões, em particular no âmbito do Poder Legislativo? Será que, na Administração Pública, haveria servidores pagos para estudar e produzir estudos, projetos, discursos e outros trabalhos relacionados à formação do conhecimento?
Para muitos, isso só pareceria possível no âmbito das universidades públicas ou dos centros universitários privados, mas não é de hoje que o Poder Legislativo, na esfera federal, estadual e distrital, mantém, na estrutura administrativa do quadro de pessoal permanente, Consultorias Legislativas, com um conjunto de servidores de carreira, divididos em áreas de conhecimento, cuja tarefa é exatamente a de subsidiar Senadores, Deputados Federais e Deputados Distritais no exercício do mandato parlamentar.
O Consultor Legislativo não vota, nem tem mandato, mas, mediante solicitação dos parlamentares, exerce de forma contínua o papel de ghost writer, não só quando escreve discursos, como é o caso dos integrantes dos Núcleos de Pronunciamento ou Redação Parlamentar, mas também quando elabora minutas de parecer ou de proposições e notas informativas, no caso dos demais núcleos.
Atrás de muitas ações de inúmeros parlamentares, há um servidor público, cuja função é dar suporte técnico e jurídico para a correta condução dos trabalhos legislativos, sempre em nome do interesse público e do melhor entendimento técnico possível. Na prática, muito do que se faz na Câmara Legislativa do Distrito Federal , na Câmara Federal ou no Senado Federal tem, na origem, a mão e a mente de um especialista, que, ao longo de anos, criou um acervo de conhecimento sobre as mais diversas áreas.
Exatamente pela especificidade dessa tarefa, os Consultores são considerados, digamos assim, “cabeçudos”. Trata-se de um conjunto de servidores com especialização, mestrado e ou doutorado, com domínio de um ou mais idiomas estrangeiros, que acompanham para e passo o cenário local, nacional e internacional, no sentido de formar opinião e estar pronto para se posicionar sobre qualquer assunto relativo à vida do Distrito Federal, do Brasil ou do mundo.
O Consultor Legislativo é, na essência, um especialista à disposição dos agentes políticos, mas não espere de nenhum deles um posicionamento condicionado à convicção política ou ideológica, ao menos enquanto estão no exercício da função a eles conferida. O Consultor está à serviço do Poder Público; pode e deve fazer o máximo para aproveitar as idéias apresentadas pelos parlamentares, todavia se manifesta em consonância com critérios técnicos e jurídicos, não para agradar a determinado partido ou deputado ou senador.
Por isso, os Consultores Legislativos nem sempre agradam os parlamentares, que podem receber, junto com determinada solicitação, uma nota técnica no intuito de explicar a inadequação de determinado projeto, ou quanto a aspectos de natureza técnica, ou, ainda, quanto a pontos de natureza legal. Não é que o Consultor tenha o direito de não atender às solicitações dos parlamentares, mas, pela natureza da função, tem o dever de alertar o Deputado ou Senador para o melhor caminho a ser tomado quando se considera o entendimento predominante sobre determinada matéria, a redução da idade penal ou os desafios para a exploração do petróleo da camada do Pré-Sal, por exemplo.
Os Consultores do Núcleo de Pronunciamento Parlamentares têm um papel um pouco diferenciado dos demais, porque exercem literalmente a figura de ghost writers ao elaborarem discursos para solenidades e homenagens, em comemoração ao centenário da morte de Machado de Assis, ou pelo transcurso do Dia Internacional da Mulher, por exemplo. Os discursos podem ser também sobre a falta de infra-estrutura para o escoamento da produção ou em defesa do PAC, por exemplo. O fato é que, ao debaterem assuntos em Plenário ou se manifestarem sobre algum tópico relevante da vida nacional, os parlamentares podem contar com um Núcleo da Consultoria para elaborar os pronunciamentos.
As Consultorias da Câmara Legislativas da Câmara Federal e do Senado são organizadas em núcleos, que dão suporte também às ações parlamentares no âmbito das Comissões Permanentes e ou Temporárias. No caso da Câmara Legislativa do Distrito Federal, a Consultoria é composta pelas Unidades de Redação Parlamentar; de Economia e Finanças; de Desenvolvimento Urbano Rural e Meio Ambiente, e de Constituição e Justiça.
A carreira de Consultor Legislativo é típica de Estado e se situa no topo da pirâmide salarial na esfera federal, estadual e distrital, com remunerações bastante convidativas e relativa flexibilidade de horário. Em razão da especialização e competência, o Consultor é frequentemente convidado ao exercício de cargos comissionados em gabinetes parlamentares da Câmara Legislativa e do Congresso nacional, ou até mesmo como Secretários de Estado. Isso pode significar acréscimo na remuneração capaz de levá-lo ao teto constitucional em alguns casos.
Sem faltar com a modéstia, para ser Consultor Legislativo, o candidato deverá preparar-se com muito afinco e enfrentar uma concorrência de qualidade, com especialistas de todo o Brasi – vai ter de ralar, no bom concursês… e muito! Em média, as sedes do Poder Legislativo federal e distrital têm realizado concursos a cada quatro ou cinco anos, com provas objetivas sobre matérias de conhecimento específico e de conhecimento geral, além de línguas estrangeiras, entre outras.
A parte mais temida do concurso, a exemplo de outros certames, é a prova discursiva. Os candidatos são instados a produzirem pareceres sobre determinada proposição, dissertações sobre temas específicos, resumos e até mesmo traduções de textos. No caso dos consultores da área de pronunciamento, é comum pedir, também, um discurso favorável e outro contrário sobre o mesmo tema.
Sem dúvida, a bateria de provas revela-se como uma verdadeira maratona, que se afunila a cada etapa e tem a classificação final disputada por décimos de pontos, sem contar a prova de títulos, na qual se atribui peso à especialização, ao mestrado e ao doutorado. Ao final, os classificados e empossados poderão trabalhar com afinco nas suas áreas de especialização e contar com infindáveis oportunidades de troca de experiências com profissionais de alto conhecimento nas mais diversas áreas.
Nesse sentido, tem-se destacado o Simpósio Internacional de Assessoramento Parlamentar, que tem sido realizado por intermédio das associações de Consultores Legislativos e reúne uma série de apresentações, oficinas e palestras voltadas ao aperfeiçoamento da área. É um evento que permite a integração de Consultores Legislativos e Assessores Parlamentares do Brasil e da América Latina.
Hoje, o Senado, a Câmara Federal e a Câmara Legislativa do Distrito Federal têm os quadros da Consultoria Legislativa formados apenas por Consultores do quadro efetivo, mas nem todas as Assembléias Legislativas adotam essa prática, o que, neste caso, acaba por conferir um viés político ao trabalho. Além das Consultorias Legislativas, previstas nos organogramas dos parlamentos, diversos partidos mantêm um quadro de Assessores, cuja finalidade específica é semelhante à dos Consultores.
Se você tem-se dedicado a determinada área do conhecimento com afinco e domina o vernáculo com boa capacidade de expressão e articulação das idéias, preparar-se para os concursos de Consultor Legislativo pode ser uma excelente idéia. Verifique os últimos editais na Internet e veja em que área você se encaixaria, depois procure ver como as casas legislativas têm tratado a matéria na forma de projetos de leis e pareceres, em especial, as comissões temáticas.
Vale verificar se existe alguma proposição em andamento e os pareceres já emitidos a respeito dela, bem como verificar qual a posição dos especialistas em relação ao tema. Lembre-se de que é possível pedir um parecer contrário e outro favorável na prova escrita. Verifique, também, se há manifestação do Supremo ou de outras cortes a respeitos dos assuntos principais da sua área. Enfim, comece a montar um acervo de conhecimento a respeito dos assuntos principais das Comissões de Educação ou de Meio Ambiente, por exemplo, e procure formar opinião sobre eles.
Vale lembrar que, além das provas de conhecimento específico, você terá uma bateria de provas costumeiras em outros certames, Direito Administrativo, Direito Constitucional, Gramática, Interpretação de Textos, entre outras. Haverá igualmente uma prova escrita, que costuma ser decisiva para todos os candidatos e tirar muita gente boa do páreo. Portanto, se você tem intenções de ser forte concorrente no próximo concurso, comece agora a se preparar, sobretudo para a prova escrita, que é o bicho papão. Boa sorte nessa tarefa de se tornar um cabeçudo, quer dizer, Consultor Legislativo.
(*) João Dino F. P. dos Santos é Consultor Legislativo da CLDF, Professor do Grancursos, Ex-Professor da UnB e Assessor Especial do Senador Marconi Perillo e do Deputado Paulo Roriz.