Por que será, então, que nem sempre a leitura resulta em desempenho na hora de tratar dos temas das provas discursivas? Por que será que muitos alunos sabem o conteúdo, que leram e releram inúmeras vezes, mas não têm destreza na hora de escrever?
Ao longo de mais de uma década, temos explicado aos nossos alunos que uma coisa é ler em busca de conteúdo outra é ler garimpando vocabulários, verbos, conectivos e frases articuladoras. Por outras palavras, no dia a dia da preparação, nós lemos artigos sobre os mais diversos assuntos: a corrupção no Estado ou os avanços da informática proporcionados por Steve Jobs, ou, ainda, sobre a classificação da Constituição de 1988.
Na maioria das vezes, buscamos o conteúdo, a informação que precisamos para formarmos opinião ou guardarmos os aspectos essenciais de determinada matéria a ser cobrada numa prova discursiva. Isso é fundamental porque se torna praticamente impossível escrever sobre um assunto sem termos o mínimo de informação.
No concurso de 2008, para analista do Senado, categoria Processo Legislativo, na primeira questão discursiva, por exemplo, a Banca pediu que o candidato classificasse a Constituição Brasileira de acordo com os critérios de conteúdo, forma, modo de elaboração, origem, estabilidade e finalidade. Não haveria como dar conta dessa tarefa se o candidato não conhecesse o conteúdo da questão.
Quantos não foram os candidatos que sabiam o conteúdo das duas questões, mas encontraram extrema dificuldade para colocar as ideias no papel?!
Por isso é que ensino aos meus alunos duas formas de leitura, a saber: a leitura voltada ao conteúdo, como explicamos anteriormente, e a leitura voltada à retenção do vocabulário específico de determinado domínio e – o que nos parece de extrema importância – à fraseologia da língua portuguesa. Calma! Vamos entender melhor esse verdadeiro “pulo do gato”, que pode significar a aprovação e classificação no seu próximo concurso.
Veja que a língua portuguesa, como qualquer outra língua, é um sistema morfossintático e semântico, com infindáveis possibilidades de combinação entre as diversas palavras e construções fraseológicas. Mas procure refletir um pouquinho e perceba que, ao longo da existência, é bem provável que nenhum de nós consiga criar uma palavra nova, muito menos inovar a estrutura frasal da língua.
Se cada um pudesse criar uma nova conjunção ou uma nova relação lógica, fora das categorias da coordenação e subordinação, teríamos um caos. Cada um falaria uma língua diferente e ninguém se entenderia. A língua é validada pelo conjunto da comunidade linguística que a utiliza como meio de comunicação, portanto, é um código de domínio comum, coletivo.
Nós podemos combinar palavras e orações de infindáveis maneiras, mas o sistema lógico da língua portuguesa nos obriga a estar restritos ao que preconiza a gramática. Esta nos oferece categorias da coordenação e da subordinação, porém, tanto num caso quanto no outro, o número de categorias é limitado e não pode ser inovado.
É verdade que, nos domínios técnicos, surgem inúmeros termos a cada ano. Mas poucos de nós criarão uma palavra nova de domínio comum e incorporada à língua, mesmo quando se considera que o léxico seja mais aberto se comparado ao sistema morfossintático.
Alguém se aventuraria a expressar a adversidade com mais alguma conjunção além das famosas “mas, porém, todavia, contudo, no entanto e entretanto”? E a relação de causa, será que alguém conseguiria expressá-la com alguma palavra ou expressão afora “porque, pois, uma vez que, e porquanto”? Provavelmente não.
Exatamente por isso, um dos maiores segredos das provas discursivas é ler garimpando palavras, procurando expressões, articuladores e frases capazes de facilitar a expressão escrita. Vejamos, por exemplo, o que poderia ser levantado do livro Roteiro de Direito Constitucional, de João Trindade Cavalcante Filho, a respeito da primeira questão do concurso para o Senado em 2008. A título de exemplificação, vamos nos restringir à classificação quanto ao conteúdo.
Observa o autor que “ constituições formais contém diversas outras normas, além das tradicionalmente apontadas como matéria constitucional. Como exemplo, podemos citar a Constituição Brasileira de 1934, que tratava de diversas matérias, como a definição de tributos e a normatização do serviço público.
Essa classificação tem sido duramente criticada pela doutrina moderna. Com efeito, não existe uma ‘matéria tipicamente constitucional’. Com a evolução do fenômeno constitucional, matérias antes estranhas à normatização constitucional passaram a ser consideradas fundamentais. Trata-se, na verdade, de uma tentativa de ressuscitar a velha distinção entre a Constituição e leis constitucionais”.
A partir do excerto acima, o candidato poderia construir um texto capaz de classificar a Constituição de 1988, mais ou menos, assim: a Constituição de 1988 é formal, porque, “contém diversas outras normas, além das tradicionalmente apontadas como matéria constitucional, embora essa classificação seja duramente criticada pela doutrina moderna.
Observem que colocamos os verbos em negrito, os adjetivos e substantivos em itálico e os conectivos sublinhados, para mostrar como é importantes ler em busca de vocabulário, verbos, adjetivos e articuladores, que nos permitem formar a frases e expressar, de forma clara, objetiva e concisa, os conteúdos cobrados nos diversos concursos. Por isso, entendemos que o maior desafio dos concursandos não é ler mais, mas mudar a forma de ler. Eis um pulo do gato!
João Dino dos Santos é autor do livro Provas Discursivas: Estratégias, Consultor Legislativo da CLDF, Assessor Especial do Senador Cyro Miranda e Professor do Gran Cursos.