Na maioria dos concursos públicos, as provas discursivas são dissertações sobre temas da atualidade ou de conteúdo específico, mesmo quando há um estudo de caso ou parecer. Todavia, há uma modalidade de texto, cobrada especificamente no concurso para consultor legislativo, que se aproxima da arte literária. Trata-se do discurso parlamentar.
Ao contrário da maioria dos textos, o discurso é uma peça feita para ser lida e estabelecer um processo dialético com a audiência. Por isso, é comum chamar a introdução do discurso de exórdio, e a conclusão de peroração. No desenvolvimento do discurso, há também traços específicos, como as figuras de linguagem, que o distinguem de outras peças escritas.
Essas características do discurso o aproximam muito de uma peça literária, que, como tal, tenta envolver o leitor não só pelos argumentos contidos no texto, mas também pela emoção revelada nas estratégias de convencimento da audiência. Não é que o discurso pretenda ficar apenas no terreno da estética e dos sentimentos, mas, com certeza, não seduz se ficar apenas no campo dos argumentos racionais.
Talvez não seja um exagero dizer que quem ouve um orador o faz muito mais com o coração do que com a razão. Daí porque a necessidade de se entremear os argumentos com figuras que permitam envolver a plateia e sintonizá-la com a percepção e a tese do articulista. Sem gradações, metáforas, clímax e antíteses, o discurso não funciona e tende a se tornar monótono.
Assim, o orador, além de firme no conhecimento de dados, argumentos e informações sobre o tema, precisa se esmerar na capacidade de perceber os anseios e desejos da plateia. Além de apresentar críticas e dirimir contradições e dúvidas, o orador deve fazer propostas, de modo a envolver o ouvinte na trama do discurso.
Há três movimentos importantes quando pensamos na audiência, sobretudo na construção dos exórdios, a introdução dos discursos, a saber: o chamamento inicial, que tem a finalidade de conquistar a audiência com um recurso de oratória forte o suficiente para ganhar atenção. Pode ser uma reflexão, uma passagem literária, um provérbio, uma referência a determinado pensador, ou algo que o valha. Pode ser o silêncio, por exemplo.
Em seguida, no exórdio, o orador precisa apresentar a tese a ser defendida, para, então, apontar para os argumentos centrais a serem desenvolvidos ao longo do texto. Esses três movimentos podem ser feitos em parágrafos distintos, nos discursos de grande expediente – mais longos –, ou em parágrafo único, nos discursos de pequeno expediente – mais curtos.
Para Mattoso Câmara, é preciso ter em mente duas características, a saber: 1) êthos, ou seja, o caráter que o orador deve parecer ter, mostrando-se “sensato, sincero e simpático”, e, igualmente, o caráter do auditório, ao qual o orador deve adaptar-se; 2) pathós, ou seja, “a ação do orador sobre as paixões, os desejos e as emoções do auditório, para facilitar a persuasão. Daí vem a palavra “patético”.
Por isso, esse saudoso mestre da Linguística ensina que há três momentos no exórdio: “primeiro, tomamos posse do ambiente, depois, focalizamos claramente para nós e para os ouvintes o nosso objetivo, para, então, fixarmo-nos nesse objetivo o auditório e fazê-lo comungar com os pensamentos que vamos desenvolver”.
Na verdade, o bom discurso vai ser permeado desses movimentos, reforçados por argumentos em favor da tese apresentada. Note-se que os recursos da conectividade lógica, que revelam, na prática, os argumentos, devem ser usados no discurso, da mesma forma que no texto argumentativo ou conceitual. Todavia, por ser uma peça de natureza mais literária, o discurso é marcado por anáforas, gradações, invocações e testemunhos autorizados.
O bom discurso, joga com as emoções da audiência, num esforço contínuo de reforçar a tese e os argumentos para angariar a simpatia para o conjunto da proposta apresentada. Como uma boa novela ou conto, o discurso envolve o ouvinte e o vai conduzindo numa sintonia permanente com a ideias apresentadas. No Parlamento, o orador eficaz é o que, se não conseguir convencer os opositores, pelo menos os colocará em dúvida e lhes ganhará a benevolência.
O Prof. João Dino dos Santos é mestre em linguística pela UnB, consultor legislativo da CLDF, autor dos livros Provas Discursivas: Estratégias e Discursos Parlamentares: Estratégias para Concursos, além de ser professor do Gran Cursos.