O ensino da Língua Portuguesa no Brasil desenvolveu-se muito bem no campo da Gramática e da Literatura, mas nos parece que a utilização do idioma como forma de expressar o pensamento em textos dissertativos continua a ser uma área com poucos profissionais em condições de mostrar um caminho claro e factível para o aluno aprender a colocar as idéias no papel.
Por isso, em concursos, como o do TCU, encontramos inúmeros candidatos que conhecem bem o conteúdo da matéria e chegam a gabaritar as provas objetivas, mas se perdem por completo quando têm de enfrentar o desafio da discursiva. Neste artigo e nos seguintes, oferecemos um conjunto de regras práticas de como colocar as idéias no papel. Algumas das delas podem ser encontradas em manuais de redação, mas outras são oriundas de nossa vivência na qualidade de Consultor Legislativo da Câmara Legislativa do Distrito Federal e de professor de redação, com mestrado em lingüística pela Universidade de Brasília.
Uma coisa é certa: temos ajudado inúmeras pessoas a vencer a barreira de preencher o papel em branco que se coloca a nossa frente. O primeiro ponto que gostamos de ensinar aos nossos alunos a respeito de como passar a idéia para o papel reside em raciocínio simples. Se verificarmos as gramáticas, de modo geral, veremos que há, na língua portuguesa – e cremos na maioria das línguas –, quatro tipos de frases possíveis: a interrogativa, a imperativa, a exclamativa e a declaratória, ou seja, no processo de externar algum pensamento, o falante pode perguntar algo, dar uma ordem ou comando, exclamar em tom de surpresa ou espanto, e afirmar ou negar algo.
Assim poderíamos dizer: por que você não veio à aula? (interrogativa); venha à aula de amanhã (imperativa); você não veio à aula ontem!(exclamativa); você não veio à aula ontem (declaratória). Embora as quatro possibilidades existam na língua, parece-nos razoável dizer que, na maioria das vezes, empregamos a frase declaratória com mais freqüência que as demais, sobretudo nos textos corridos.
Assim, se partirmos do pressuposto que a declaratória é uma afirmação ou negação que fazemos a respeito de algum tópico, poderemos dizer que, para começarmos a gerar nossos enunciados, precisamos responder a uma indagação de base: o que queremos afirmar ou negar a respeito de determinada realidade? Para afirmarmos ou negarmos alguma coisa, será preciso construir um bom acervo verbal, porque apenas o verbo é capaz de nos permitir sair do plano do pensamento para o oracional. Se virmos uma moça, por exemplo, e a acharmos bonita, podemos pensar: moca => bonita, mas, para externar essa idéia de forma clara para o interlocutor, deveremos encontrar um verbo, no caso de ligação, e produzir o enunciado: a moça é bonita ou aquela moça é bonita. Da mesma forma, poderíamos pensar: espécies de decisão do TCU => nas prestações e tomadas de contas, mas, para começar a gerar o enunciado da questão, teríamos de dizer: são três as possibilidades de espécie de decisões na prestação e tomadas de contas do TCU.
Se você tiver um bom acervo verbal na hora de gerar as declarações de base, responsáveis pelo início do processo de colocar as idéias no papel, e pensar sempre: o que eu quero afirmar ou negar e que verbo preciso para isso? terá mais facilidade para escrever trabalhos de qualquer natureza. Entretanto, todos nós sabemos que os textos não são uma seqüência infinda de declarações, porque estas precisam ser desenvolvidas para que os enunciados gerem períodos, e os períodos formem parágrafos e textos.
O passo seguinte, na hora de colocar as idéias no papel, é compreender o papel das conjunções no construir dos enunciados. De imediato, precisamos entender que o ser humano, para desenvolver o processo do pensamento, dispõe de uma serie de categorias, ou seja, pode estabelecer causa, conseqüência, oposição, circunstancia de tempo e espaço, condição, concessão, entre outras, e que essas categorias do pensamento revelam-se sobretudo por meio das conjunções coordenadas e subordinadas e pela construção de orações reduzidas de infinitivo, particípio ou gerúndio.
Pegue um trecho qualquer de jornal ou revista e sublinhe os verbos e conjunções; depois, comece a reparar que os autores, em geral, afirmam ou negam alguma coisa, para, a seguir, desdobrar o pensamento por meio das conjunções; ou desdobram o pensamento e depois afirmam alguma coisa. É possível, igualmente, intercalar os desdobramentos. Vamos pegar um pequeno fragmento de texto motivador, da prova de escrivão de policia, do concurso de 2002 e ver como esses aspectos se verificam na pratica. “Vivemos em uma sociedade que estimula o desejo de ser diferente por meio do consumo de produtos especiais, mas na qual, ao mesmo tempo, uma enorme massa de excluídos dribla a fome diariamente. Em uma sociedade, assim, mais polícia e Exército nas ruas e grades nas casas não resolvem o problema da violência”.
Repare que escrevemos os verbos em negrito para você perceber como eles foram fundamentais para transcrever o pensamento para o plano oracional, porque os verbos indicam estado, ação, ou seja, permitem dar vida e movimento à idéia; sublinhamos os conectivos para mostrar como foram imprescindíveis para o desenvolver o pensamento, porque tornam revelam, no papel, as diversas categorias lógicas do pensamento. Comece a verificar, nos textos em geral, esses dois momentos preciosos da linguagem humana e você terá mais facilidade na construção de qualquer enunciado.
Lembre-se, portanto: afirmamos ou negamos alguma coisa e desdobramos por meio de conectivos lógicos; desdobramos por meio de conectivos e depois afirmamos alguma coisa; ou intercalamos os desdobramentos com nossas afirmações. De agora em diante, mantenha um olho clínico a respeitos da formulação de frases, orações, períodos, parágrafos e textos. Observe, a cada período, as declarações do autor e os desdobramentos, introduzidos sobretudo pelas conjunções.
Professor João Dino Francisco Pereira dos Santos Mestre em Lingüística – UnB Consultor Legislativo – CLDF